24 de junho de 2011

“THEY ALL LAUGHED OF DETECTIVE COLUMBO!”




By The Classics - Peter Falk faleceu hoje. O Bystander não tem todas as palavras de gratidão possíveis. Portanto compartilha, aqui, um antigo texto do Bystander-newsletter original dedicado ao tenente justiceiro (sem correções ou atualizações). O que o detetive ensinava era simples: "abram o olho! O peixe graúdo comete o crime e segue aplaudido? Se depender de mim, não!" Quão atual. Sempre.

6 de Outubro de 1998 - Número 4 – Volume 1

O canal USA da NET está dando a oportunidade de comemorar os trinta e um anos do (sem sombra de dúvida) melhor detetive da história da televisão: o impagável tenente Columbo. Todo o domingo desse mês de outubro (sempre às dez da manhã) será exibido um filme dedicado ao personagem que marcou, de modo profundo, a carreira do ator Peter Falk (em ASAS DO DESEJO, de Wenders, os personagens em geral se referem a ele com o nome do astuto tenente). A festa começou no último dia quatro, com a exibição do telefilme RECEITA PARA UM ASSASSINATO (Prescription: Murder) de 1967, baseado na peça de Richard Levinson e William Link.

O filme é uma verdadeira raridade. Tenho a impressão que a última vez que passou por aqui foi na TV TUPI. É delicioso constatar que todos os mecanismos e rituais que fazem o charme de todos os episódios de COLUMBO já estavam presentes na sua gênese teatral e na sua primeira aparição na telinha. São eles, somados a brilhante interpretação de Falk, que fizeram desse seriado algo mais do que um simples jogo de gato e rato policial. Vamos descrevê-los:

Primeiramente nós sempre sabemos quem é o assassino. Como cúmplices, observamos um crime sempre perfeito, bem executado e insondável. Seu perpetror é, com freqüência, alguém acima de qualquer suspeita. Ora pode ser o dono de uma galeria de arte, que quer aumentar a venda da sua coleção de quadros matando o artista, ora pode ser um escritor policial, ao estilo Ellery Queen, que mata o seu parceiro talentoso (na verdade, o real autor dos livros) quando esse decide romper a parceria. São crimes estranhamente adequados para esses tempos de frieza profissional em que estamos envolvidos. Poderia ser esse o motivo da surpreendente atualidade de COLUMBO, mas há mais: existe a atitude paladina desse tenente de sobretudo encardido e charuto empestento, que se recusa a se curvar diante da posição social do criminoso. Os movimentos são sempre:

A) Parecer humilde e um tanto vago;

B) Perturbar com perguntas enervantes e precisas;

C) Deixar claro para o assassino que ele sabe quem é o criminoso, e

D) Aplicar um desmascaramento que corresponda à medida do crime.

A mente analítica de Columbo e a personalidade de sua presa típica foram bem perscrutadas em uma cena de RECEITA PARA UM ASSASSINATO, onde o famoso psiquiatra (interpretado por Gene Berry), um calculista assassino da própria esposa, tem um ácido diálogo (transcrito a seguir) com seu grudento perseguidor. Ambos estão no consultório do doutor, saboreando um Jack Daniel’s. É tarde da noite:

(...).

COLUMBO- Gosta de ler, doutor?

Dr.FLEMING- Gosto sim!

COLUMBO- Contos policiais?

DR.FLEMING- Não! Disso não!

COLUMBO- Ah! Eu adoro! Eu acho bom! Repousante! Mas o problema é: creio que eles não tem nada a ver com a vida real! Digo: o culpado do crime acaba sendo pego! E eu e o senhor sabemos que nem sempre termina assim!

DR.FLEMING- Você não cansa, não é?

COLUMBO- De que?

DR.FLEMING- As insinuações! A mudança de passo! É uma caixa de truques, Columbo! Até esse charuto acessório que você usa!

COLUMBO- Ah! Um charutinho a toa!

DR.FLEMING- (frio) Vou lhe dizer uma coisa sobre você, Columbo! Diz que precisa de um psiquiatra. Talvez precise, talvez não! Mas você é um exemplo perfeito de compensação!

COLUMBO- De que?

DR.FLEMING- Compensação! Adaptabilidade! Você é um homem inteligente, Columbo, mas se esconde fingindo que é algo que não é! Por que? Por causa da sua aparência! Você pensa que nunca acertará por meio da aparência! Por isso faz de um defeito uma virtude: pega as pessoas de surpresa! Elas o subestimam e é assim que você as vence! Como vir até meu consultório agora!

COLUMBO- Puxa! Você me pegou direitinho, doutor! Eu acho que é preciso ter cuidado com o senhor, porque é um bom conhecedor das pessoas!

DR.FLEMING- Agora está tentando a adulação!

COLUMBO- Não, não! Eu estou falando sério mesmo! Isso é bom, doutor! Claro! É a sua profissão e o senhor estudou muitos anos! Mas ainda assim é engraçado: a pessoa senta naquela cadeira por alguns instantes e o senhor sabe tudo sobre ela!

DR.FLEMING- (fleumático) Não é bem assim! Psiquiatria não é um truque de salão!

COLUMBO- Eu não quis dizer isso! Só estava pensando se... Não, não! Isso não é possível!

DR.FLEMING- O que?

COLUMBO- Eu sei que é bem fácil conhecer um paciente, ou alguém que, como eu, esteja bem perto o tempo todo, mas com um indivíduo que não conheça... Um sujeito que nunca encontrou antes... O senhor pode prever as suas reações?

DR.FLEMING- Por acaso tem alguma pessoa em mente?

COLUMBO- Não, não! Ninguém em particular! Só um tipo qualquer!

DR.FLEMING- Como um assassino, por exemplo?

COLUMBO- Bem, já que o senhor tocou nisso! Acho que estamos no mesmo comprimento de onda!

DR.FLEMING- É, eu acho que sim! (pausa) A respeito desse assassino hipotético...

COLUMBO- É, eu não estou falando do tipo de cabeça quente comum, como um sujeito que quebra uma garrafa na cabeça do outro! Eu me refiro ao tipo que prepara a coisa toda, com detalhes, passo a passo! O que sabe o senhor sobre esse tipo de homem, doutor?

DR.FLEMING- Eu devia lhe cobrar! Mas, como está numa base teórica, chamemos a isso de consulta grátis!

COLUMBO- Obrigado!

DR.FLEMING- Falamos de um homem que comete um crime! Não do tipo comum, de um marginal de rua, mas de um projeto! Elaborado! Intelectual! O que sabemos sobre esse homem? Naturalmente ele não é um impulsivo! Ele planeja, calcula, minimiza os riscos! Ele é orientado pela sua mente, não pelas emoções! E é, provavelmente, bem educado também!

COLUMBO- Como, talvez, um homem profissional!

DR.FLEMING- Talvez! De qualquer modo, um homem ordeiro, com olho para o detalhe... E coragem!

COLUMBO- Coragem?!

DR.FLEMING- Certamente! Ninguém se mete numa coisa dessas, seja lá o que possa ser, sem um forte sistema nervoso!

COLUMBO- É! O senhor pode estar certo, doutor! Mas, uma coisa me aborrece: o homem que estamos falando tirou uma vida humana! O senhor não diria que é um anormal?

DR.FLEMING- Por quê? Porque cometeu um ato imoral? A moral é condicionada, tenente! É relativa como tudo mais nos nossos dias! Nosso homem pode ser são, como você ou eu! Matar pode ser repugnante para ele, mas, se é a única solução, ele a usa! Isso é pragmatismo, meu amigo, não insanidade!

COLUMBO- Diga-me, doutor, como se pega um homem como esse?

DR.FLEMING- Não se pega!

COLUMBO- Deve ter razão! Ele parece esperto demais para nós! Mas o que eu digo é que os tiras não são os caras mais vivos do mundo! Claro, temos alguma coisa a nosso favor: somos profissionais... Mas, em todo o caso, esse seu amigo, o assassino, claro, ele é muito esperto! Mas é um amador! Ele tem uma chance de aprender! Só uma! Mas conosco é diferente: é uma profissão! Entende? Nós passamos por isso cem vezes num ano! E lhe digo doutor: é um bocado de prática!

DR.FLEMING- No seu caso isso não o ajudou, não é? Toda essa experiência para chegar à conclusão errada!

COLUMBO- Que quer dizer?

DR.FLEMING- Eu não matei minha esposa!

COLUMBO- Mas eu não disse isso!

DR.FLEMING- Não! É verdade! Insinuou! Insinuar cabe melhor! Mas, se eu matei, e eu disse “se”, você nunca vai conseguir provar!

(...).

Nesse próximo domingo, dia 11, será exibido o segundo piloto: RESGATE DE UM MORTO (Ranson for A Dead Man), de 1971, onde Columbo atormenta a vida de uma advogada assassina interpretada por Lee Grant. Não deixem de assistir! Columbo pode ser considerado tão clássico quanto o Philip Marlowe, de Chandler, ou o Sherlock Holmes, de Doyle. É ver e constatar.

Afinal, se pensarmos em eventos no nosso território nacional, quando um patético pequeno Polegar, após ser esmagado pelo moedor da fama e da falta de talento, vai preso por roubar um vale refeição e um Real para, logo em seguida, ser jogado às feras da cela e da mídia (claro que crime é crime, mas que castigo é pior do que esse?) enquanto um tal Sergio Naya passeia solto por aí!?!!? A vontade que se tem é de gritar: TENENTE COLUMBO, CADÊ VOCÊ?

Um comentário:

Helena disse...

Excelente!

Bj

;)