15 de fevereiro de 2014

THE BYSTANDER ANTHOLOGY

By The Classics. - Mais um texto do Bystander-newsletter original. Como sempre, segue sem correções ou atualizações. Está exatamente como na época da publicação. Aqui prestamos um tributo à dois artistas que levaram a experiência da música ao doce território do gênio e do prazer. Favoritos eternos desse By que vos escreve. Amigos que tornam a vida uma experiência profunda e feliz. Ei-los:

Redigido em 10 de Janeiro de 2003 - Número 11 - Volume 2
 Ficaria feliz em compartilhar com vocês, amigos leitores, alguns textos escritos numa galáxia distante, há muito tempo. Esse foi redigido por esse Bystander para a GAZETA MERCANTIL, em setembro de 2001, e se refere ao músico de jazz favorito desse que vos fala. Num gesto de puro “fanismo”, aqui está ele de novo para a sua leitura e o seu prazer.
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JOHN COLTRANE – 75 ANOS DE UM AMOR SUPREMO.
 Por Ricardo Soneto

 Não existe tristeza maior para o fã de jazz do que ouvir alguém afirmar que não conhece John Coltrane. Surge logo uma necessidade ansiosa de apresentar para o novato todos os detalhes da obra do saxofonista. Mas não é uma tarefa fácil. Como explicar a importância desse artista para a música do século XX? Como definir toda a amplitude da revolução impetrada por ele dentro do jazz, através de uma busca pessoal emocionante, narrada disco a disco? Nesse ano de 2001, em que se comemoram os 75 anos do nascimento desse músico fenomenal, vale a pena refletir sobre essas perguntas e curtir o prazer das respostas.

 John Coltrane nasceu em 23 de setembro de 1926, na cidade de Hamlet, na Carolina do Norte, e cresceu na cidade de High Point, no mesmo estado. É curioso como os nomes dessas cidades parecem exemplificar bem o seu modo de encarar a música: como o personagem de Shakespeare, ele se mantinha numa estado de busca total por uma verdade elusiva, mas, ao contrário do príncipe hesitante, afirmava com convicção cada item descoberto. Sua carreira musical se iniciou na década de 40 em uma série de grupos, que incluíram a big band de Dizzy Gillespie e uma breve participação na orquestra de Duke Ellington. Mas são os doze anos, entre 1955 e 1967, que correspondem ao período da construção do mito, marcado por vários momentos de puro brilho.

 Em 55, Coltrane começa a trabalhar com Miles Davis, o genial e inquieto trompetista. Essa colaboração iria produzir alguns dos discos mais importantes do gênero, como “MILESTONES” e “ROUND MIDNIGHT”. De fato, iria resultar naquele que muitos especialistas consideram o melhor disco da história do jazz: o belo KIND OF BLUE, um marco da exploração modal. O trabalho permanece até hoje como o disco de jazz mais vendido de todos os tempos (mais de 20 milhões de cópias) e basta escutá-lo para entender o porquê. Vale lembrar que ele foi relançado recentemente no Brasil, pela Sony, por um preço bastante simpático. É comprar e ser feliz.

No final da década de cinquenta, os seus trabalhos como líder, que começam a surgir, deram início aos vários capítulos de uma saga muito pessoal, melhor definida pelo crítico americano Nat Hentoff: “A marca registrada de Coltrane era o seu som único, que falava da procura incessante por uma perfeição que, mesmo nos reinos da abstração mais elevada, sempre se mostrava apaixonada e viva”. Vale a pena citar dois discos desse período: BLUE TRAIN, para o selo Blue Note, junto com o trompetista Lee Morgan e o trombonista Curtis Fuller e a sua primeira obra prima: GIANTS STEPS, para a Atlantic. Aqui o solo vertiginoso que se segue ao tema da faixa título iria redefinir o sentido do termo drive, ou seja, a capacidade que o músico de jazz tem de aplicar sucessivos acordes em múltiplas escalas, de forma incansável e criativa. Coltrane, assim, se colocava ao lado de outros mestres livres nessa arte, como Sidney Bechet, Coleman Hawkins e Charlie Parker.

É na Atlantic, também, que ele monta, junto com McCoy Tyner no piano, Elvin Jones na bateria e Reggie Workman no baixo (depois substituído por Jim Garrison) um dos grupos mais perfeitos do jazz. E, como ouvir a excelência desse quarteto é a melhor forma de celebrar esse aniversário, tomamos a liberdade de recomendar os seguintes discos, que fornecem pistas para uma compreensão plena da arte de John Coltrane. São eles:

 - MY FAVORITE THING (Atlantic - 1961) Essa valsa de Rodgers & Hammerstein, extraída da peça da Broadway The Sound of Music (que resultou no popular filme  “A Noviça Rebelde”), foi gravada dezoito vezes por Coltrane. Para ele a questão não se resumia apenas em transformar o tempo normal de 3/4 num empolgante 6/8 mas, através de cada versão, revelar um novo aspecto dentro de um território de inesgotáveis possibilidades. Vale a pena usar a gravação original como ponto de partida para se conhecer e desfrutar da rara e quase telepática interação do seu grupo. A experiência pode ser desconcertante. As idéias novas pareciam não parar de jorrar. Quarenta anos depois, os treze minutos dessa apresentação inicial ainda tiram o fôlego de muitos ouvintes.

 - A LOVE SUPREME (Impulse - 1964) Nesse disco se pode descobrir uma das características mais fascinantes do saxofonista: sua intensa capacidade de se ligar ao ato de tocar, o transformando num transe quase meditativo. O objetivo do disco era mostrar que a experiência musical, fosse tocando ou escutando, podia ser um  canal para o amor supremo de Deus. Longe de ser um trabalho gospel, entretanto, as faixas dessa suíte utilizam o jazz mais intenso para cumprir esse propósito. Humilde diante da sua arte e do seu criador, Coltrane estabelece um comovente evangelho íntimo.

- BALLADS (Impulse – 1962) Lírico, e se permitindo ser o mais melódico e suave possível, Coltrane cria a melhor trilha sonora para o melhor dos romances e descobre com isso mais uma vasta possibilidade de beleza. Disco imprescindível para quem está apaixonado. E ponto final.

- CRESCENT (Impulse – 1964) Momento de recapitulação que prepara o quarteto para A LOVE SUPREME. O que se mostra evidente é a serenidade melancólica dos temas. Faixas como “Bessie’s Blues” ou “Lonnie’s Laments” são executadas por um sax tenor extrovertido e seguro de estar no caminho certo. Como não se comover com tamanha honestidade para com o seu próprio compromisso artístico?
 Enfim, para começar a entender um pouco da importância da obra de Coltrane basta perfilar algumas das palavras usadas acima: intensidade, paixão, honestidade, lirismo, compromisso, serenidade, humildade, fascínio, exploração, brilho, criatividade, excelência, segurança, beleza, perfeição, interação, arte, liberdade, música e amor supremo.
 Supremo amor que continuou até o fim, mesmo quando o quarteto se dissolveu e o saxofonista continuou seu trabalho se aventurando em abstrações cada vez mais profundas junto com sua mulher, a pianista Alice Coltrane. Na ocasião da sua morte, em 1967, ficou a sensação de que nem tudo havia sido dito. Sensação que permanece até hoje. Como saciar isso?

 Pensando bem, não existe alegria maior do que não conhecer John Coltrane. Poder escutar, pela primeira vez, qualquer um dos discos gravado por ele? Tomar contato com o talento de um músico que foi capaz de fazer uma arte de tal magnitude e que, mesmo assim, deixou claro todos os trajetos humanos que o levaram até ela?

 Seja você um jazzófilo escolado ou um incauto ouvinte, valerá sempre a pena encher o ouvido e a alma com essa música. Sua vida vai te agradecer.
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 De volta à 2003. Sabem essas atitudes do antigo realismo socialista chinês, do tipo colocarem uma arma na sua cabeça e pedirem para você escolher entre isso ou aquilo? Bem, mirassem na cabeça desse By e perguntassem quem ele gosta mais, se Coltrane ou Sinatra, a resposta seria: “Atirem!” É, sinceramente, impossível escolher. Ambos foram Everests do talento e da arte. Incomparáveis e (pela aparência do andar da carroça até agora) insubstituíveis.
 No entanto, também em 2001, sabendo do amor intransigente que esse Bystander nutre pela arte de “The Voice”, o leitor fraterno amigo (ou fraterno amigo leitor?) Ricardo Cota pediu a esse pobre que escolhesse algo menos severo: as dez interpretações favoritas feitas por Frank. Nenhum pedido podia ser realizado com mais prazer.

Seguem as respostas abaixo (adaptadas para esse newsletter). Enjoy!

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AS DEZ MAIS DE FRANK
Escolher dez gravações favoritas de Frank Sinatra é como escolher dez filhos prediletos. A sensação de injustiça com alguém é constante. Oh, destino inclemente!
 Mas vamos lá!
 Sinatra foi o melhor cantor do século XX. Ponto! E a melhor forma de provar isso é simplesmente ouvir algumas das faixas que estão aqui. Mas não se prenda a essa "byselection" apenas, procure fazer a sua, leitor. Frank se torna nosso chegado à primeira audição.
Esse modesto By escolheu essas imodestas dez (seguidas de uma breve explicação). A ordem não corresponde à preferência. O By prefere todas e mais quinhentas e tantas. Cierto?
1-     I’VE GOT YOU UNDER MY SKIN
Barbada! Essa gravação de 1956 (disco: “Songs For Swingin’ Lovers”) ganha todos os concursos de fãs. E por vários motivos: o arranjo de Nelson Riddle, com batida cardíaca e elegante, o solo de trombone entusiástico de Milt Bernhardt e Sinatra explicando para todos porque estava na Terra. Precisa mais?
 2-     NIGHT & DAY
Mais uma de Cole Porter? Foi gravada em 1962 (disco: “Sinatra & Strings”). Grandiosa e épica,  serve como testemunho de todos os Sinatras (o da Columbia, o da Capitol e o da Reprise) projetando a beleza de amar como um ato pleno, digno ápice da condição humana. O arranjo de Don Costa colabora para isso.
 3-     YOU GO TO MY HEAD
De julho de 1945 (selo Columbia). Como alguém dotado de tal apuro vocal pode ser tão lírico e não cantar ópera? A letra de J.F Coots devia ser prece!
 4-     ALL OR NOTHING AT ALL
De 1940. Gravada com a orquestra de Harry James (seis meses antes de Frank se mudar para a  banda de Tommy Dorsey). Com apenas 25 anos, Sinatra já mostrava porque ia dar trabalho.
 5-     I’LL BE SEEING YOU
Também de 1940. Perfeita e comovente. Sinatra encontra em Tommy Dorsey o seu mestre de  respiração ideal.
6-     WHAT’S NEW?
Do disco “Sinatra Sings For Only The Lonely”, de 1958. Páreo duro é escolher uma faixa desse álbum que sinatrófilos de plantão consideram um dos melhores do chairman. Disco tão perigoso para quem está na fossa, que o júnior de Frank afirmou que ele só deveria ser vendido sob prescrição médica. Pleno de razão está esse menino. Ficamos com “What’s New”, pela sua angústia derramada, provando que se pode sofrer por amor e ser um gigante por isso. Dá-lhe, garoto! (Algum fã pode perguntar: “Por que não ‘Angel Eyes’?” Pois é! Viu como é difícil?).
 7-     THE LADY IS A TRAMP
Aqui temos algo curioso: o By está falando da gravação feita para o filme “Meus Dois Carinhos” (Pal Joey), de 1957, e não a que está no disco com a trilha sonora. A que está no filme mesmo. O melhor momento de Frank no cinema. Cínico, seguro, botando para quebrar (desculpem o entusiasmo, mas é isso mesmo)! Nenhuma outra interpretação dele para essa música atingiu a perfeição dessa gravação fílmica. Ouçam com atenção e vejam se não é verdade.
 8-     OH! LOOK AT ME NOW
Ano: 1957.
Disco: “A Swingin’ Affair
Faixa acima: A melhor definição para bacana! O mestre do hipercool explica a felicidade da transformação produzida por amar a pessoa certa. Arranjo de Nelson Riddle vestindo a voz com a perfeição de sempre. Ah! Se a vida fosse sempre assim!
9-     ONE FROM MY BABY
Perdoem outro preciosismo, mas não falamos da faixa do disco comentado na seleção número 6, mas sim de um teste feito um dia antes da gravação (24 de junho de 1958) por Frank e pelo seu pianista favorito, o fiel escudeiro Bill Miller. Essa gravação deveria ter sido apagada, mas foi esquecida nos arquivos da Capitol por 32 anos. Lançada na simpática caixinha “Frank Sinatra – The Capitol Years”, de 1990, se tornou um tesouro comparável ao das arcas esquecidas no fundo dos oceanos!
Voz e piano.
Nada mais.
E tudo.
10- A FAIXA ESQUECIDA
Existem monumentos dedicados ao bravo soldado desconhecido. Aqui o By faz um equivalente para essa seleção, porque ele sabe que, fosse qual fosse a música escolhida agora, ela não iria impedir esse que vos escreve de acordar no meio da madrugada e reclamar por não ter escolhido outra. “Por que não ‘Ol’ Man River’? Por que não ‘If You Are But A Dream’? Por que não tudo com Tom Jobim?
 É difícil! É muito difícil!
 Ficam então essas jóias, que tem feito a vida desse Bystander muito feliz. Essas e outras quinhentas e tantas!
 Ponto!
 Keep swingin’, babys!

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Retornamos à 2014.  Esse texto foi publicado há 11 anos, e esse Bystander ainda concorda com tudo que opinou. Reafirmando: adotar o entusiasmo por esses artistas é uma atitude para toda a vida. A recompensa é uma trilha sonora soberba. Uma consciência das possibilidades corajosas da arte, do verdadeiro talento... e da mais absurda felicidade. Nesse momento da história em que nunca foi tão fácil ter acesso aos itens apresentados acima, fica a sugestão: Explorem... Divirtam-se... Encantem-se... And, by the way, keep swingin' kids! Seeya!

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