26 de junho de 2009

RETORNOS




"Incrível como foi necessário apenas um único dia para a década de 70 e a década de 80 morrerem!". (Luiz Eduardo Ricon)

Sei de pessoas que só souberam da morte de Farrah-Fawcett ao abrirem o jornal pela manhã. Lapso de informação perdoável, se considerarmos a escolha do destino: “que a morte do maior ídolo da música pop aconteça na mesma data”.

E de pronto sustentamos que o maior foi mesmo Michael. O argumento é simples: se a sua morte tivesse ocorrido no meio do sucesso de “Thriller”, Michael seria o ídolo maior incontestável. Bem, afirmo aqui, acho que esse óbito ocorreu naquela época. O que se observou, a partir daí, foi à paulatina erosão da sanidade de um gênio. Uma dolorosa morte em vida.

Numa entrevista à suprema sacerdotisa do marketing, Oprah Winfrey, o cantor revelou os tormentos de uma infância de trabalho duríssimo para fazer os magníficos registros pops nos estúdios da Motown (que nos fazem dançar, como gemas sonoras milagrosas, até hoje), e da sua melancolia, de partir o coração, ao olhar o parquinho ao lado do prédio da gravadora e ver as crianças vivendo as brincadeiras e alegrias que seu precoce talento impedia. Um pouco da alma ficava em cada fonograma.

Façam o teste. Escutem “I’ll Be There” e fiquem atentos para o contracanto do seu irmão Jermaine, o segundo Jackson talentoso. O irmão maior, que parece, na música, fornecer apoio ao sofrido irmãozinho. Não foi surpresa que esse fosse o membro do clã dos Jackson escolhido para falar com a imprensa sobre o fim de Michael. Em uma faixa musical o segredo de algo que certamente faltou na vida desse gigante frágil.

Sempre vi as atitudes polêmicas (muito polêmicas) dele como um pedido desesperado de ajuda. E, por toda a alegria que ele nos forneceu, ele merecia essa ajuda. A autodestruição de um artista monumental não é novidade. Algumas são tolas, como a de certas cantoras e cantores atuais (que acham que esse é o caminho para a afirmação do gênio. Bah! Marketing! Marketing! Marketing! Marketing suicida, mas marketing! Marilyn Mason declarou que se cortou 150 vezes com gilete em um único dia! Foi mesmo? Dane-se! Me dê uma arte que preste e não a atitude que só deve ser problema seu!); algumas são rápidas como suas vidas, como foi o caso de Kurt Corbain; algumas graduais, como Elvis. Alguns suportam e a evitam heroicamente, como Sinatra, e alguns são de uma frieza gélida, como Madona, que faz (ainda bem, ora bolas) tal possibilidade não ser considerada. Com lampejos brilhantes após “Thriller”, mas apenas lampejos (como se supera o disco mais vendido da história, meu Deus?), Michael se torna um misto de Howard Hughes, Peter Pan e um espetáculo do Grand Guignol. Cada clareada de pele intensificando a dor para quem apenas via, com a amizade de fã, o menino sofrido, ou o mestre do pop fenecer. Senhor da dança. Voz que parecia agarrar a vida e projetá-la para o alto. Pessoa triste jogada no circo de uma mídia que se transforma num moedor de carne humana e que cria palhaços sorridentes que, se não seguirem as regras, vão ser ignorados (se forem pequenos) como um kleenex usado ou (se forem brilhantes), esmagados imparcialmente. Talvez o que tenha chocado o mundo recente com o fenômeno relâmpago de Susan Boyle, nessa rede, foi o fato de que ela apenas chegou na frente do microfone e cantou. Só. Michael fazia isso o tempo todo. Era só cantar. Era só dançar. E o mundo se transformava num lugar melhor. O que se fazia era partindo do seu talento, e não esse monte de som e fúria na cabeça de um idiota, significando (geralmente) nada. Susan parece, agora, estar surtando pela súbita e meteórica celebridade. Eis um conselho para ela: suma! Não deixe essas garras se fecharem em você. Ah! E antes que me esqueça: obrigado pelo talento sem produções milionárias, montes de lasers e dançarinos hiper ensaiados. Apenas sua voz e o microfone.

Apenas o sublime.

O sorriso de Farrah, no clássico pôster do maio vermelho, foi um componente fundamental para a década de setenta ser alegre. Travolta soltava o mesmo sorriso enquanto encantavam nas pistas das discotecas (é muito bom dançar, não?). Maurice White soltava o mesmo sorriso enquanto tornava o mundo uma enorme festa baile. Sabrina, Kelly e Jill. As panterinhas faziam os suspiros dos meninos. Eu sei. Eu era um deles. Compartilho: a primeira menina que eu disse “eu te amo”, sentindo um amor genuíno (juro!), se parecia com a Kate Jackson (ok! Ela era mais bonita que a Kate Jackson, mas tinha o mesmo jeito… e penteado). Lembro de Farrah ser a Farrah-Fawcett Majors, por conta de ser casada com “o homem de seis milhões de dólares” Stevie Austin… digo… Lee Majors. E que todos eram apaixonados por ela. Aquele penteado de camadas era tão copiado que parecia que algumas mulheres já nasciam com ele. Os anos setenta eram refrescantes como um mergulho na Venice Beach. Num jogo de múltipla escolha, hoje, se tivesse que escolher entre me sentar numa mesa com as quatro protagonistas de “Sex & The City”, que tratam relacionamentos como escolhas aflitas de artigos de Dolce & Gabbana, ou as três charmosas detetives, lá estaria eu oferecendo uma pina-colada para Farrah e com a disposição elétrica de resolver um novo crime (mesmo que as moças me chamassem de Bosley. Oh, well…).

Farrah lutou contra seu câncer por três anos, na injusta agonia de qualquer doença terminal. Assistir dois processos destrutivos, da atriz e do cantor, colidirem no mesmo dia. Observar a justificada exposição maciça da notícia da morte de Michael, entre o discreto sumiço do sorriso faiscante da moça de maio vermelho. Pantera de 77. Menino dos sessenta, garoto dos setenta, gigante definidor criador ampliador explosão atômica dos anos oitenta. O Michael bizarro parecia ir se esvaecendo nas imagens do luto mundial. O antigo Michael, remoçado, enegrecido, de dons vastos inexplicáveis, insiste em seguir dançando, não mais numa jaula sádica de LCD e raios catódicos, mas numa pista de festa eterna. “Onde você estava quando Michael Jackson morreu?”.

Acostume-se com a pergunta.

Retorna o sorriso alvíssimo da moça. Retorna o dançarino exímio, com a voz que cantava a verdade, toda a verdade e nada mais que a verdade.

Espero que Michael chegue criança ao céu e que encontre um parquinho esperando por ele. E, se por ventura eu for até lá também, espero poder, mesmo que por alguns instantes, me sentar num banco, ao lado de uma loura bonita de sorriso maroto, para, juntos, observarmos o cantor num balanço, tentando alcançar um outro céu (num ir e vir enfim livre na inocência) e testemunharmos ele cantar “Never Can Say Goodbye”.

E, pelo universo eterno, uma voz fará todas as estrelas felizes.